KLAUS RICHMOND
SANTOS, SP (FOLHAPRESS) – Diego Souza estava decidido a pendurar as chuteiras em janeiro de 2020, aos 34 anos.

Sem clube e desgostoso com o próprio rendimento nas passagens por Botafogo e São Paulo, o atacante externou ao empresário Eduardo Uram, ao pai Marco Aurélio e à esposa Luciana Iunes a vontade de pôr um ponto final na carreira. Uma ligação inesperada de Renato Gaúcho mudou tudo.

Vinte e dois dias depois de deixar o clube carioca sem perspectivas, ele se apresentava no Grêmio com um claro objetivo dentro de si: voltar a se divertir jogando.

“O futebol é minha vida, sempre vivi isso. Aliás, só sei fazer isso. Desde os 14 não tenho os finais de semana, vivo em concentração, viagens, e é jogo em cima de jogo… Então, o futebol precisava voltar a ser um parque de diversões para mim. Por mais que tivesse que fazer tudo isso, se não estivesse plenamente satisfeito, não queria mais”, conta à Folha.

“Ainda consigo sentir saudade quando não jogo, por isso sigo. Se a vida de um atleta fosse só entrar em campo, seria uma dificuldade enorme parar, ninguém ia querer. É preciso abdicar de muitas coisas, e passei a ver tudo isso de forma mais leve. Ainda é uma rotina pesada, mas estou me divertindo”, completa.

Volante de origem e visto como um jogador de raro potencial técnico em sua geração, Diego viveu um processo curioso na carreira. Mudou completamente de função até chegar à condição de atacante, de homem-gol. Ele tem sido o principal artilheiro do Grêmio em cada uma de suas três temporadas pela equipe.

Na primeira, marcou 28 gols em 54 jogos, a mais goleadora desde que estreou pelo Fluminense em 2003. Na segunda, fez 24 em 51, porém viu o time cair para a Série B. Neste ano, marcou nove em 15 jogos. Em abril, superou as 76 bolas na rede de Renato Gaúcho pelo clube.

“Nunca fui apegado a números, não me apego a nada, na verdade. O futebol hoje ficou mais feio. O camisa 10 dos times é o sistema tático. Parece que estamos em um laboratório fazendo jogadores que sabem bem determinadas funções. Se você pede para um jogador mudar de posição, fica mais perdido do que cego em tiroteio”, explica.

Tão grande quanto o talento que o alçou a boas temporadas pelo próprio Grêmio, na primeira passagem em 2007, além de Palmeiras, Vasco e Sport, é o número de polêmicas que carrega. É quase impossível dissociá-lo de momentos conturbados.

Em 2008, no Palmeiras, mandou recado para o capitão e ídolo Marcos após uma derrota para o Fluminense. “Roupa suja a gente lava em casa”, desabafou.

Um ano depois, protagonizou confusão com o zagueiro Domingos, do Santos. Expulso, pulou a placa de publicidade no caminho ao vestiário e voltou para dar uma rasteira no defensor rival. Acabou suspenso por sete jogos.

Mesmo vivendo ótima fase no clube paulista, em 2010, foi alvo da indignação da torcida e respondeu ao ser substituído em uma partida contra o Atlético-GO. Ele xingou torcedores e fez gestos obscenos. Na saída do gramado ainda ironizou: “Vaias?”.

Pelo Sport, em 2015, deu polêmicas entrevistas. No Grêmio, comemorou no último ano um gol diante do Bahia batucando na bola, imitando um pandeiro, em resposta a críticas pela participação em uma festa com o elenco. Também foram constantes os questionamentos sobre a sua forma física.

“Sofri com muitos rótulos. Já fiquei acima do peso, já passei por momentos pessoais bem difíceis, não é fácil essa trajetória. Ninguém quer isso, mas a idade chega, e, muitas vezes, já não conseguimos treinar da maneira que precisamos. Você fica sempre com dor, tem pouco tempo de preparação, e isso atrapalha bastante. Não dá para deixar tudo o que ouço entrar na cabeça, ou você enlouquece”, conta.

“O trabalhador toma uma cerveja no fim de semana, faz um churrasco, mas não podemos porque as pessoas nos julgam de uma maneira que não existe. Se perde, você não tem vida. Não pode sair para jantar. A saúde mental vai ficando prejudicada. Precisa ser muito forte para tudo isso”, completa.

Abalaram o jogador as poucas chances na seleção brasileira. A pior delas quando foi escalado como titular pelo técnico Dunga diante da Bolívia, em 11 de outubro de 2009. Acabou substituído após apenas 45 minutos, na altitude de 3.600 m de La Paz, e viu as chances de ir para a Copa de 2010 ruírem.

“Esse episódio me machucou bastante. E é curioso porque no final da carreira, quando achava que não ia mais, acabei sendo chamado [por Tite] e vivenciei esse ambiente novamente. Isso tranquilizou o meu coração. Em 2009, foi a minha maior frustração, poderia ter sido mais bem testado. Isso causou rebeldia em mim. Ainda quase fui vendido e perdi a oportunidade. A segunda, mesmo sem ir para a Copa, foi completamente diferente”, conta.

O retorno ao Grêmio trouxe não somente a renovação como jogador, mas também novos planos de carreira. Próximo de completar 37 anos -em 17 de junho-, ele pensa pela primeira vez no pós-carreira. Virar treinador está entre as possibilidades.

“Eu nunca pensei em ser técnico. Dizia que não tinha condições, porque o técnico vive a mesma vida do jogador, mas de janeiro para cá surgiu um estalo de talvez poder passar um pouco do que aprendi”, explica.

A ideia do jogador, primeiro, é descansar. Fazer uma viagem com os amigos de infância, ainda sem destino definido. “Primeiro vou viajar, depois penso. Não gosto da ideia de ter que fazer cursos para virar treinador, tenho 20 anos no futebol. Sempre temos o que aprender, mas o jeito de cada um é muito particular.”

Sendo esse o caminho, ele pretende usar a “linguagem de boleiro” de Renato. “Hoje todo o mundo é politicamente correto. Ele é olho no olho, fala a nossa língua mesmo. Gosto disso”, afirma.

Diego prefere não especular qual será o futuro ao fim de 2022, quando termina o contrato com o Grêmio. Até lá, ainda quer ajudar o clube a voltar para a Série A -ao menos enquanto puder se divertir em campo.