SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma história de zumbis trouxe uma das narrativas mais marcantes dos videogames. “The Last of Us”, de 2013, mostra a trajetória de Joel, um homem mais velho, escoltando a adolescente Ellie em meio a uma sociedade em frangalhos. Nove anos depois, este ainda é um jogo prestigiado, visto como uma espécie de grande romance americano em forma de game, e em breve vai virar série da HBO.
Propriedade da Sony, o jogo também demarca uma tendência entre as maiores desenvolvedoras -a de reciclar suas criações. “The Last of Us” foi remasterizado em 2014 e, em setembro deste ano, sai em nova versão, um remake para a nova geração.

E, ainda que o mercado de games cresça, os maiores desenvolvedores põem suas fichas em mais do mesmo. Prova são as 27 remasterizações e remakes já anunciadas até o momento, para serem lançadas no segundo semestre deste ano em diante, conforme cataloga o portal Releases.com.

Enquanto numa remasterização o jogo recebe só melhorias nos gráficos, geralmente nas capacidades de resolução, um remake nomeia uma obra refeita do zero. Na prática, esses limites são flexíveis.

É comum um relançamento de jogo despertar debates acalorados nos fóruns tentando esclarecer sua tipologia, ignorando as definições do marketing. “Uma reformulação total da experiência original, reproduzida fielmente”, anuncia a descrição ambígua do novo “The Last of Us”.

Sem surpresas, o faturamento é um norteador. “Remakes são bem-sucedidos porque quem jogou os títulos clássicos na infância agora têm a renda disponível para gastar em nostalgia”, escreveu Carter Rogers, analista da Nielsen, em artigo de 2020. Segundo a consultoria, a receita dos principais remakes quase dobrou entre 2018 e 2020.

A Sony não está sozinha. A Square Enix promete para o ano que vem a segunda parte da trilogia iniciada com “Final Fantasy 7 Remake”. Sobra até espaço para o remake de um spin-off -isto é, obra derivada. “Crisis Core: Final Fantasy 7”, lançado em 2007 para PSP, volta recauchutado até o final do ano.

Capcom, EA, Bandai Namco, Nintendo e Activision são outros conglomerados que trarão remakes às prateleiras físicas e virtuais nos próximos meses. O baixo apetite para o risco é costumeiro no atual cenário dos jogos AAA -aqueles de produção mais cara. Tradicionalmente, os grandes apostam em continuações. É a mesma lógica dos quadrinhos mainstream, que mantém há décadas revistas de Thor, Mickey e Mulher-Maravilha nas prateleiras.

Com as adaptações de games e HQs liderando bilheterias, cinema e streaming mergulharam nessa lógica. Os nove filmes mais vistos no Brasil no ano passado são continuações. Da mesma forma, até junho deste ano, “Top Gun: Maverick”, “Doutor Estranho no Multiverso da Loucura” e “Jurassic World: Domínio” lideram nas bilheterias.

No caso do videogame, uma franquia não só é uma mão na roda do marketing, mas também ajuda no reaproveitamento de recursos. A física e efeitos sonoros desenvolvidos para o jogo de corrida “Forza Horizon 4” foram aproveitados em “Forza Horizon 5”, por exemplo. Sim, a reciclagem sempre esteve presente, mas talvez nunca de maneira tão escancarada.

A Blizzard, dona de “Warcraft”, chegou a passar quase 20 anos sem criar uma marca nova. A Capcom, de “Resident Evil”, não experimenta lançar mundialmente um game com personagens inéditos há uma década.

A lógica conservadora se acentuou. Entre os fatores para esse comportamento está o crescente custo de criação dos jogos blockbuster e a pandemia. Mesmo a Microsoft, dona de 23 estúdios de desenvolvimento que ficam debaixo do guarda-chuva Xbox, adiou todos seus jogos de 2022 para o ano que vem.

Não que isso seja vital para a plataforma Xbox, hoje dedicada a seu serviço de assinatura -a chegada de um modelo à moda da Netflix, com um catálogo rotativo de games disponíveis, é outra pressão sobre os grandes estúdios.

A Microsoft criou a referência de mercado com o Game Pass. A resposta da Sony veio no mês passado com uma reformulação no PlayStation Plus -que oferece o “The Last of Us” de 2014 em seu cardápio. A EA Play, a Ubisoft+ e até soluções voltadas para celulares são outras opções. O preço de um jogo grande, que hoje está na faixa dos R$ 350, equivale a meses desses serviços que dão acesso a centenas de jogos.

Fica a dúvida sobre a sustentabilidade. Hoje a Netflix chama mais a atenção pela perda de assinantes e demissões em massa do que por suas novas produções.

Por outro lado, se os jogos soam caros diante das assinaturas, a diferença fica ainda mais gritante diante do modelo “free to play”, ou grátis para jogar. Nessa modalidade só é preciso pagar se quiser comprar roupas digitais ou acelerar o desbloqueio de conteúdo. “Valorant”, “League of Legends”, “Halo Infinite”, “Free Fire” e o recente “Diablo Immortal” trabalham dessa forma. “Overwatch”, sucesso de 2016, vai abraçar o modelo gratuito em sua continuação, prevista para outubro.

A corrida maluca “Fall Guys”, febre no primeiro ano da pandemia, foi outra que mudou, no mês passado, de paga para gratuita, e chegou à marca de 20 milhões de jogadores. Oferece horas de entretenimento, mesmo àqueles indispostos a abrir a carteira.

Um argumento a favor da reciclagem de jogos é a necessidade de preservação da memória, que a indústria costuma negligenciar. Com programas desenhados para plataformas específicas, games podem ficar inacessíveis com o passar de poucos anos. Pelo menos, é o que ocorre nos meios oficiais -já que a pirataria cumpre a função de arquivo cultural há anos, possibilitando jogar games antigos gratuitamente.

Uma coletânea como a “Capcom Fighting Collection”, lançada em junho, traz para plataformas atuais alguns títulos de fliperamas -hoje praticamente extintos. São dez títulos de meados dos anos 1990 com melhorias e partidas online. A coletânea sintetiza uma das eras mais criativas da desenvolvedora. A seleção apresenta, por exemplo, “Red Earth”, que traz elementos de RPG ao gênero de luta, pela primeira vez disponibilizado em consoles.

Para quem perdia fichas com outros gêneros, em 22 de julho será lançado “Capcom Arcade 2nd Stadium”, com jogos como “SonSon” e “Three Wonders”. Quem tem mais nostalgia da locadora do que do fliperama pode ficar com a coletânea “Sonic Origins”, com os quatro primeiros títulos de aventura com o ouriço azul.

Dada a recente popularidade de Sonic nos cinemas, a coletânea ajuda a situar as raízes, ainda nos 16 bits do Mega Drive. A série também traz uma melhoria tecnológica para telas widescreen atuais, adequadas para o personagem veloz.

Nesse caso, porém, houve controvérsia. O lançamento substituiu outras versões dos jogos nas lojas digitais, o que arrepiou os historiadores. “Fetichizamos tanto os filmes que agora queremos cometer os mesmos erros de ‘Star Wars’, jogando fora os originais pela versão melhorada”, disse no Twitter o fundador da Video Game History Foundation, Frank Cifaldi.

As versões originais dos primeiros filmes da franquia “Star Wars” -anteriores às mudanças digitais feitas pelo diretor George Lucas- não estão disponíveis para aluguel ou streaming em qualquer plataforma. Enquanto isso, a nova PlayStation Plus só traz a versão remasterizada de “The Last of Us”. O original mesmo só terão os donos de PlayStation 3, console já fora de linha.

REMAKES PREVISTOS

“The Last of Us – Parte 1”: 2 de setembro de 2022
“Call of Duty: Modern Warfare II”: 28 de outubro de 2022
“Dead Space”: 27 de janeiro de 2023
“Resident Evil 4”: 24 de março de 2023
“Final Fantasy 7: Rebirth”: Início de 2023