(FOLHAPRESS) – Meninas com menos de seis anos acreditam que “pessoas brilhantes” ou “muito, muito inteligentes” podem ser tanto homens quanto mulheres. Mas, a partir dessa idade, elas tendem a achar que “brilhantismo” é uma característica mais presente em meninos e que elas são “mais esforçadas”.

Isso mostra como, desde uma idade muito jovem, meninas são influenciadas a pensarem que são menos aptas para desenvolver estudos e serem bem-sucedidas em áreas consideradas difíceis, como física, matemática e engenharia.

Talvez essa seja uma das razões para explicar a desigualdade de gênero que ainda persiste na ciência, especialmente na área conhecida como Stem (ciência, tecnologia, engenharia e matemática, na sigla em inglês).

As descobertas estão em um estudo das pesquisadoras Lin Bian e Sarah-Jane Leslie, da Universidade de Illinois e do Departamento de Filosofia da Universidade Princeton, e do professor de psicologia da NYU (Universidade de Nova York) Andrei Cimpian, publicado em 2017 na revista científica Science.

A pesquisa feita com 400 crianças de idades entre 5 e 7 anos nos Estados Unidos mostrou como os estereótipos de gênero -noções fabricadas e perpetuadas de como determinado gênero tem habilidades inerentes ao sexo, e não ao indivíduo– influenciam as crianças já na infância.

Para avaliar quais os aspectos que os meninos ou as meninas consideram que são melhores nos seus pares do que no próprio gênero, os cientistas fizeram quatro estudos distintos em que pediam para as crianças classificarem pessoas “brilhantes” e depois atribuir um gênero a eles, dizer quais atividades preferiam fazer (se aquelas destinadas para pessoas “muito, muito inteligentes” ou para aquelas que “se esforçam muito) e se consideravam que crianças da sua idade eram “muito inteligentes” ou não.

Nos dois primeiros estudos, em que as perguntas eram identificar pessoas como brilhantes ou muito inteligentes, as meninas e os meninos de cinco anos classificavam indivíduos do próprio gênero igualmente inteligentes, mas havia uma inflexão a partir dos seis anos, quando as meninas consideravam os homens mais inteligentes e as mulheres “mais generosas”.

No terceiro estudo, crianças de 6 e 7 anos escolhiam igualmente brincadeiras nas quais o foco era serem esforçadas, mas meninas da mesma idade diziam não se interessar por jogos para crianças muito inteligentes. No quarto estudo, quando foram incluídas crianças de cinco anos, estas escolhiam igualmente brincar com jogos para crianças inteligentes, mas a partir dos seis anos as meninas não achavam que eram boas ou não diziam que gostavam dos jogos para pessoas “muito inteligentes”.

Os autores concluem que muitas crianças, desde os seis anos, já consideravam que brilhantismo é uma qualidade inerente aos homens, o que pode influenciar os interesses ao longo da infância e adolescência e limitar as áreas de profissão escolhidas.

Apesar de a pesquisa ter incluído um público de classe média e quase inteiramente branco, outras pesquisas corroboram a ideia de que mulheres são menos valorizadas e incentivadas a seguir carreira científica.

Tal ideia acaba refletindo no fato de que, apesar de corresponderem a mais da metade dos estudantes de pós-graduação no mundo, as mulheres em topo de carreira no meio científico são menos de 30%, segundo um levantamento feito pela L’Oréal em parceria com a Unesco.

Neste sábado (11), é comemorado o Dia Internacional das Meninas e Mulheres na Ciência. A data foi instituída pela primeira vez em 2015 pela Unesco para dar visibilidade à participação feminina na ciência e unir esforços para combater a desigualdade ainda presente.

Para Helena Nader, 1ª mulher a presidir a Academia Brasileira de Ciências (ABC) em mais de 106 anos desde sua criação, a importância de valorizar a participação das meninas na ciência por meio de exemplos, como a química Marie Curie, primeira (e única) pessoa a ganhar o prêmio Nobel em duas áreas (científicas) distintas.

“Para as meninas o que temos tentado fazer é colocar algumas figuras como emblemáticas, como líderes para elas. Porque muitas vezes muitas meninas não acham que é uma área, as ciências, ou a engenharia, para mulheres. E a gente tem que desmistificar isso”, disse.

De acordo com Nader, os avanços feitos nos últimos anos para ampliar a presença feminina em cargos de alta instância na ciência são importantes, mas a baixa participação das meninas em cursos de áreas como engenharia e ciências exatas são representativos das diferenças culturais na infância.

“Infelizmente, muito do que acontece se traz de casa. Se você olhar, a educação tende a ser segregatória. Não pode existir um ‘brinquedo para meninas’ e um ‘para meninos’, o que deveria existir são brinquedos para crianças. Isso estigmatiza. É preciso começar um trabalho na pré-escola para dizer tanto aos meninos quanto às meninas: você pode tudo”, completa.

Na próxima segunda (13), a partir das 14h, a ABC organizará um evento especial em comemoração à data. A programação é aberta ao público e poderá ser acompanhada virtualmente.