SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Dinho Ouro Preto, Yves Passarell, Fê Lemos e Flávio Lemos estão de volta. É a volta dos que não foram. O quarteto, que compõe o Capital Inicial, nunca abandonou a música, mas já fazia quatro anos que não lançava nada.

Numa comemoração dos 40 anos do Capital Inicial, eles vão apresentar até o fim do ano cinco músicas inéditas e um DVD com regravações com velhos amigos –como Carlinhos Brown e Pitty, que gravou “Passageiro”– e com a nova geração –caso de Vitor Kley e Marina Sena, que emprestou seus vocais anasalados para a nova “Natasha”.

Os lançamentos vão compor a turnê “4.0”, que passará por 20 cidades até o início do próximo ano. O primeiro show será no Rock in Rio, pouco mais de 20 dias antes das eleições. Depois de um Lollapalooza atravessado pela tentativa de censura de Jair Bolsonaro contra Pabllo Vittar, que também foi massivamente atacado em festivais como a Virada Cultural de São Paulo e o João Rock, em Ribeirão Preto, no interior paulista, o Capital Inicial já sabe o que esperar.

Composições carregadas de críticas ao governo, afinal, estão na gênese do grupo, sobretudo as que foram herdadas do Aborto Elétrico, banda que Fê Lemos e Flávio Lemos tinham com Ico Ouro-Preto, irmão de Dinho, André Pretorius e Renato Russo antes da dissidência que deu origem à Legião Urbana e ao Capital Inicial.

É o caso de “Veraneio Vascaína”, herdada pelo Capital Inicial, que Renato Russo escreveu com Flávio Lemos inspirado pela ocasião em que foi preso depois de ser enquadrado nas ruas de Brasília e perguntar aos policiais quais eram seus signos. Uma referência à viatura mais comum da Polícia Militar à época, a Chevrolet Veraneio pintada nas mesmas cores do Vasco da Gama, a música virou um manifesto contra a violência policial.

É ainda o caso de “Que País É Este”, também de Renato Russo, que, embora tenha sido herdada pela Legião Urbana na partilha dos direitos autorais, nunca ficou de fora dos shows do Capital Inicial e virou trilha sonora de manifestações políticas tanto à direita quanto à esquerda.

“Da fome à insegurança, vivemos os mesmos dramas de sempre. Num show de rock, por sua natureza contestatória, o público se sente livre para mandar todos esses filhos da puta irem tomar no cu. O bom é que hoje a gente consegue falar isso e não ser preso”, diz Fê Lemos, o baterista do grupo.

É a politização, em sua avaliação, que alavancou não só o Capital Inicial, mas todo o rock oitentista. Os “filhos da revolução” eram filhos de professores universitários e diplomatas que traziam de viagens ao exterior discos de punk rock e, numa Brasília recém-inaugurada, com uma identidade cultural incipiente, empunhavam as guitarras, tudo o que tinham, contra os ditadores.

A história parece ter mudado. O baterista e os demais integrantes do grupo dizem que hoje estão mais preocupados com o rock e não querem dividir ainda mais o país. O vocalista, por outro lado, não consegue se furtar de discutir política ao receber este repórter em sua casa, no bairro paulistano dos Jardins.

Filho de um cientista político e de uma historiadora, Dinho, que define sua orientação política como de centro-esquerda, afirma que votou em Fernando Haddad no pleito passado, mesmo com ressalvas ao Partido dos Trabalhadores, o PT, entre elas a “aproximação com Cuba e Venezuela”, países que vivem sob ditaduras de esquerda, e o “culto à personalidade” de Lula.

Mas, se se antes ele preferia dedicar “Que País É Este” tanto a políticos de esquerda quanto de direita, detonando de uma só vez tanto Aécio Neves e Michel Temer quanto Dilma Roussef, como fez no Rock in Rio de cinco anos atrás, hoje suas críticas têm um direcionamento mais específico.

“As músicas do Capital Inicial não são partidárias, mas eu tomo mais partido do ‘fora, Bolsonaro’. Olho para a Esplanada dos Ministérios e discordo de tudo que tem sido feito. Inflação, recessão, desemprego, fome. Qual é legado positivo desse homem?”, diz. “É importante que haja alternância de poder, mesmo que em algum momento a direita vá comandar o Brasil. Meu problema são os caras que querem dinamitar as instituições e acabar com a democracia.”

É o caso de Sergio Moro, de quem Dinho diz se arrepender de ter apoiado. Num show em Curitiba em 2016, dois meses antes do impeachment de Dilma, ele dedicou “Que País É Este” ao então juiz, que assistia à apresentação do camarote e, ao se levantar, foi ovacionado pelo público.

“Mordi minha língua”, ele diz. “Eu via a Lava Jato como uma operação independente, que alcançaria todos os políticos, mas virou perseguição ao PT. Mais tarde, o cara ainda virou ministro da Justiça justamente da pessoa beneficiada pela Lava Jato. Não houve isenção, e eu me oponho à falta de isenção.”

Por enquanto, a única que tem seu voto garantido é Marina Silva, que acaba de se lançar candidata a deputada federal por São Paulo. “Liguei para a Marina na semana passada. Ela é um símbolo de ponderação, cautela e diálogo. Eu inclusive me oponho ao jeito que ela foi massacrada pelo PT e pintada como bicho-papão pela campanha da Dilma.”

Mas nem tudo é sobre política. O grupo, afinal, diz que não quer se pautar pela nostalgia e atrair o público só para reviver lembranças do passado. Prova disso é que os lançamentos, todos eles escritos por Dinho, não devem ser tão politizados assim.

É o caso de “Amor em Vão”, gravada com Samuel Rosa, do Skank. A canção, a única lançada até agora entre as inéditas, trata do rompimento de um relacionamento. “Se não me falha a memória, é a primeira vez que a gente faz uma música com a palavra amor”, Dinho brinca. “Ter elasticidade entre o que é visceral e o que é suave é o que mais nos agrada.”

As 20 apresentações programadas para a próxima turnê podem não parecer nada comparadas aos 280 shows que o grupo fazia em seu auge, no início dos anos 2000, mas o número é superlativo, dizem eles, para manter as cordas das guitarras afinadas e as carteiras do INSS longe de vista.

Dinho, que relembra ter sofrido por décadas na tentativa de encontrar seu lugar entre figuras já consagradas do rock, diz ter alcançado a plenitude e não se incomodar com quase mais nada, nem mesmo com a queda do rock depois do fim da MTV, que era uma das principais plataformas de divulgação dos roqueiros. Seus companheiros assinam embaixo.

“São vários os fatores que explicam a baixa do rock”, diz Fê Lemos. “Um deles é que o rock é mais difícil de ser produzido. Se você ligar um amplificador de guitarra na sala de estar, vai ser expulso do condomínio. É preciso ter um estúdio, enquanto outros gêneros, como o funk, podem ser produzidos no quintal, com pouquíssimo investimento.”

“O outro é o domínio do sertanejo”, o baterista acrescenta. “Até 2010, a gente tocava em todas as feiras agropecuárias no interior do Brasil. Tinha uma noite para o pop rock. Com o domínio dos empresários do sertanejo, que investem milhões para lançar seus artistas, o espaço do rock sumiu.”

Sertanejos dominam o rádio, que turbina cachês e chega aonde internet é precária Análises à parte, eles não veem nada disso como um problema. “O rock ficou guetizado”, diz Dinho. “Antes, o país todo era obrigado a consumir uma coisa só, normalmente determinada pelas gravadoras, e hoje temos de tudo”, diz. “Não falta público. O U2 continua lotando estádios de futebol, o João Rock vende cada vez mais ingressos, tanto quanto o Lollapalooza. É um sinal de sofisticação da indústria cultural de um país quando você não consegue saber o que está na moda.”