SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O remédio Paxlovid, indicado para pessoas com Covid com alto risco de complicações, deve chegar às farmácias brasileiras em breve, segundo a Pfizer, após autorização dada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) nesta última segunda (21).

Antes, o medicamento já havia sido incorporado ao SUS pelo Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde). Outro medicamento também aprovado para uso contra Covid é o antiviral molnupiravir, da farmacêutica MSD. Em comunicado no último dia 27 de outubro, a Anvisa disse aguardar mais resultados para autorizar sua comercialização em farmácias.

Porém, a evidência do uso do nirmatrelvir combinado com ritonavir (composto ativo do Paxlovid) no atual momento da pandemia acaba de ser contestado em um artigo publicado na revista científica BMJ Evidence-Based Medicine (do grupo British Medical Jounal).

No estudo, os autores Todd Lee e Andrew Morris, do Departamento de Medicina da Universidade McGill, no Québec (Canadá), e da Universidade de Toronto, junto com os pesquisadores Jason Pogue e Erin McCreary, da Universidade de Michigan e da Escola de Medicina de Pittsburgh (EUA), afirmam que, com base nas evidências mais recentes, o benefício do uso de nirmatrelvir e ritonavir para pacientes imunocompetentes vacinados e/ou recuperados da Covid é incerto.

A pesquisa científica, que fez uma revisão da literatura disponível, listou os principais achados sobre o Paxlovid e a sua eficácia contra hospitalizações e óbitos. O primeiro estudo clínico randomizado e duplo-cego, conduzido pela Pfizer, incluiu 2.246 participantes, dos quais metade recebeu placebo e metade, a droga. Só foram considerados pacientes com alto risco de evolução para quadro grave da doença e maiores de 18 anos não hospitalizados.

A conclusão do estudo foi que o Paxlovid evitou uma hospitalização a cada 18 casos, porém mesmo esse benefício foi encontrado em um contexto de circulação da variante delta, mais agressiva.

Os autores refizeram a análise do estudo da Pfizer no contexto de circulação da ômicron e suas subvariantes. Considerando um risco de hospitalização com a ômicron cerca de 40% menor do que o da delta, a expectativa era que o medicamento prevenisse mais hospitalizações, mas o resultado obtido foi de uma hospitalização evitada a cada 42 casos.

Outro ponto mais importante é que a proteção nos indivíduos vacinados e que fizeram uso do medicamento ainda é desconhecida. Como a vacinação foi um fator determinante para reduzir hospitalizações e mortes, os pesquisadores esperavam encontrar um maior benefício também no uso do medicamento por esses indivíduos, o que não foi encontrado, já que pessoas vacinadas (incluindo com reforço) se infectam com a ômicron, mas raramente evoluem para hospitalização e morte.

Por fim, os cientistas consideram que, se não há benefício evidente atualmente do uso de Paxlovid para evitar hospitalização e morte, a resolução dos sintomas em poucos dias poderia ser um uso possível, melhorando assim o quadro clínico da doença. Mas, como esse não foi um desfecho buscado nos ensaios clínicos da farmacêutica até então, não há essa indicação para uso, e o benefício continua desconhecido.

Para os autores, o medicamento, assim como outros antivirais, tem o seu valor, mas a aprovação de agências como a FDA americana (Food and Drugs Administration) no atual momento da pandemia não considerou a melhor evidência disponível. Os pesquisadores ressaltam ainda que o alto custo desses tratamentos antivirais deve ser considerado quando forem pensadas políticas públicas de saúde.

O artigo diz que o governo americano gastou cerca de US$ 100 bilhões (cerca de R$ 557 bilhões) com terapias com “baixo valor” de evidência médica, ou seja, tratamentos com falta de indicação para uso ou ofertados a pacientes que não correspondem aos critériosdefinidos no estudo.

No Brasil, o difícil acesso aos medicamentos contra Covid foi criticado por muitos especialistas, especialmente em momentos da pandemia com maior número de casos e, consequentemente, de hospitalizações e mortes.

Faltam mais estudos para indicar um possível benefício dos antivirais em todos os tipos de pacientes e frente às novas variantes. Os autores do estudo concluem, no entanto, que o coronavírus é um vírus que vai permanecer em circulação por muito tempo, e parece “razoável fazer escolhas sobre como vamos escolher e priorizar terapias para não repetir as escolhas do passado”.