SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em 7 de abril de 2020, o médico Marcelo Sapienza, 55, começou a sentir febre. Dois dias depois, não sentia cheiro de nada. O quadro lembrava o da Covid-19, doença descoberta meses antes e que, naquele momento, já era uma pandemia.

Marcelo fez um exame em 10 de abril, e o resultado foi positivo. A febre continuou, além de dores musculares e no quadril. “Perto do sétimo dia do quadro, fiquei mais ansioso por saber que poderia haver um agravamento por quadro inflamatório exacerbado, mas felizmente os sintomas foram progressivamente melhorando”, conta.

O médico morava com sua esposa, Maria Tereza Sapienza, 57, e o filho do casal. Marcelo isolou-se dentro da sua casa a partir do dia em que perdeu o olfato. Mesmo assim, eles sabiam que tinham uma chance da transmissão ter ocorrido antes, até porque nenhuma vacina estava disponível naquele momento.

A realidade, no entanto, foi outra: tanto Maria Tereza quanto o filho apresentaram testes negativos para a doença.

O cenário se repetiu, agora em 2022. Já vacinados, Marcelo novamente teve Covid, mas nada de Maria Tereza apresentar a doença. “Novamente ficamos um pouco surpresos por ela não ter adoecido”, diz o médico.

O casal faz parte de um estudo do Centro de Estudos do Genoma Humano e Células-tronco, também conhecido como Genoma USP. Pesquisadores da instituição identificaram outros casais que passaram pela mesma experiência e buscaram entender as razões pelas quais um dos parceiros ficou doente e o outro não.

Em paralelo a essa investigação, outra ocorria com uma finalidade parecida. Nesse segundo estudo, o objetivo era entender a razão de alguns idosos com mais de 90 anos apresentarem quadros leves para Covid-19 quando estavam doentes. Até o final de 2020, já eram mais de cem pessoas acompanhadas pela pesquisa, alguns até centenários.

“Se você pensar num idoso com 100 anos que passou pela Covid antes da vacina com a cepa que veio da China e se espalhou pelo mundo, os dados mostravam que a chance de essa pessoa ter complicações eram muito altas”, afirma Mateus Vidigal, pesquisador do Genoma.

A explicação, tanto para os idosos sem complicações quanto para os casais em que um dos companheiros não se infectou, pode ser genética.

No caso dos mais velhos, análises dos genomas foram performadas, e alguns genes associados com o sistema imune foram encontrados com maior frequência. Um desses é o gene MUC-22. Ele é responsável pela produção de mucina, uma proteína associada ao muco. Este, por sua vez, desempenha um papel importante no combate à Covid.

Os pesquisadores ainda compararam os genomas dos idosos com os de adultos de até 50 anos que tinham morrido pela Covid-19. Nesses adultos, as alterações não foram observadas.

Nos casais, sequenciamentos dos genomas também foram realizados, com resultados parecidos daqueles vistos nos mais velhos. “A gente também identificou esses genes de resistência”, afirma Vidigal.

A resposta, no entanto, ainda não é definitiva. A próxima etapa da pesquisa envolve ensaios celulares para concluir se, na prática, esses genes realmente fornecem uma resposta diferenciada frente à Covid-19.

Outro ponto diz respeito aos inúmeros fatores envolvidos no sistema imunológico de uma pessoa. Um exemplo é outra investigação, igualmente do Genoma, sobre gêmeos. Vidigal relata o caso de duas gêmeas idênticas que tiveram Covid no começo da pandemia. Depois disso, uma delas voltou a se infectar pela doença, tendo um quadro mais grave, enquanto a irmã não passou por isso.

“Na teoria, elas compartilham o mesmo DNA, então a gente esperaria uma apresentação da doença parecida, só que essa menina acabou se reinfectando e a irmã gêmea idêntica não”, explica.

O caso demonstra como, muito além da genética, diversos fatores podem influenciar a resposta imune de alguém. Tabagismo, prática de atividades físicas e alimentação são só alguns exemplos que afetam o sistema de defesa do organismo de uma pessoa. “Tudo isso acaba modulando a resposta imunológica, que é única para cada indivíduo”, explica Vidigal.

REINFECÇÕES TAMBÉM GERAM DÚVIDAS

Em novembro, a consultora Ana Carolina Oyafuço, 27, fez uma viagem de férias na Espanha. Ainda no país europeu, ela começou a sentir sintomas gripais, como dor de garganta e febre. Já de volta ao Brasil, Ana fez dois autotestes para Covid-19 -ambos com resultados positivos.

Ela não tem certeza se a infecção aconteceu na Espanha, mas suspeita que sim. “Eu cheguei numa segunda, e na terça já testei positivo”, afirma.

Ana conta que ficou ansiosa e com medo. Seu avô morreu pela doença em julho, e sequelas a preocupavam. Mas não era bem uma novidade um teste positivo de Covid -na realidade, essa era a terceira vez que a consultora tinha resultados confirmando a infecção.

Assim como com pessoas que nunca pegaram a doença, exemplos de reinfecções como de Ana intrigam cientistas, mas algumas hipóteses já indicam por que isso ocorre.

Cristina Bonorino, imunologista e professora titular da UFCSPA (Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre), afirma que uma explicação envolve o polimorfismo, concepção de que os indivíduos apresentam respostas imunes diferentes. Pessoas com reinfecção, por exemplo, podem ter um padrão de resposta imunológica que possibilita os repetidos casos da doença.

Outra razão se relaciona à capacidade do vírus de passar por mutações. Ao ocorrer isso, o patógeno desenvolve mecanismos que podem burlar os mecanismos de defesa já adquiridos em infecções anteriores ou mesmo com a vacinação. Sendo assim, casos de reinfecção seriam mais prováveis de acontecer.

Essas duas explicações, no entanto, ainda carecem de maiores evidências. Bonorino afirma que há escassez de estudos sobre reinfecções, tanto para Covid quanto para outras doenças.

“Em geral, não fazemos esses estudos para nenhum vírus, e talvez fosse uma boa ideia programar pesquisas para todos esses vírus alvo de vacinação a fim de instrumentar políticas de saúde pública”, diz.