(FOLHAPRESS) – Menos de 3% dos alertas de desmatamento emitidos no Brasil pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e por outras ferramentas de monitoramento de desmate no país, desde o início da gestão de Jair Bolsonaro (PL), foram fiscalizados ou ocorreram em áreas com autorização para supressão de vegetação.

Considerando os hectares sobre a qual os alertas incidiram, e não o número total deles, quase 87% da área não sofreu fiscalização (com registro de multa ou embargo) ou não tinha autorização para supressão. Ou seja, somente cerca de 13% da área foi fiscalizada ou possuía permissão de desmatamento.

Isso significa que, na ampla maioria dos casos, o governo federal não fiscalizou a destruição do meio ambiente.

O dado é proveniente do Monitor da Fiscalização do Desmatamento, uma nova ferramenta do MapBiomas, lançada nesta terça-feira (3). A plataforma analisou alertas de desmate emitidos pelo MapBiomas Alerta -que engloba dados do Deter (Inpe), do monitoramento do Imazon, Universidade de Maryland e da Geodatin/UEFS (Universidade Estadual de Feira de Santana)- de entre janeiro de 2019 e março de 2022.

Segundo o novo mecanismo, o governo federal só fiscalizou cerca de 2,17% dos alertas de desmatamento. Essas ações ocorreram em uma área que abrange somente 13% de todo o território desmatado no país nesse período.

A ferramenta é coordenada pelo ICV (Instituto Centro de Vida) e pelo Brasil.IO, e utiliza bases de dados públicas sobre fiscalizações e embargos ambientais. Além do governo federal, o monitor até o momento centraliza informações de cinco estados: Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará e São Paulo.

A fiscalização realizada pelos estados é um pouco mais abrangente. Minas Gerais teve ações de verificação ou autorização para desmate em cerca de 22% da área desmatada. No Mato Grosso, 29% dos alertas sofreram fiscalização ou tinham permissão para supressão da vegetação.

No Pará, somente 1,8% dos alertas está em área com presença de vistoria ou autorização para supressão. Em São Paulo, as ações em campo atingiram 21% dos alertas de desmate.

Por fim, em Goiás, a fiscalização atingiu 10% dos alertas de destruição emitidos.

Segundo os responsáveis pela ferramenta, um dos desafios para a iniciativa foi encontrar dados públicos abertos, atualizados e adequados para a análise, o que, inclusive, explica a presença de somente cinco estados, além do governo federal, nesse primeiro momento.

Renato Morgado, especialista da Transparência Internacional que participou do lançamento, afirma que ainda há poucos dados públicos sistematizados sobre esforços de fiscalização. “É uma ferramenta incrível para que nós, enquanto sociedade, possamos entender esse nível de esforço, colaborar com o poder público e demandar para que o nível de esforço seja de acordo com o tamanho do desafio e o tamanho das consequências que existem a partir da impunidade do desmatamento”, disse.

O Mato Grosso é um dos estados mais avançados em questão de dados disponíveis e com elevada área (em hectares) de alertas com registro de autorização ou fiscalização -quase 41%. “Estamos caminhando para que possamos atender até 100% dos alertas de desmatamento dentro do mesmo ano. Nesse último ano tivemos índices muito superiores aos que tivemos na média dos últimos três anos”, afirmou Alex Sandro Marega, secretário adjunto executivo da Sema (Secretaria de Estado do Meio Ambiente) do Mato Grosso, que também participou do lançamento.

Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama, também destaca a importância da nova plataforma para o trabalho dos órgãos ambientais e para o monitoramento pela sociedade civil.

Ela afirma que os resultados mostram a dificuldade da concretização da fiscalização no país, uma responsabilidade dividida entre municípios, estados e governo federal.

Araújo, porém, alerta para uma importante diferenciação. “É necessário entender, contudo, que nunca se conseguirá que as operações de campo correspondam a percentual muito elevado dos alertas. Não é esse o caminho, na verdade”, afirma. “A fiscalização remota, com cruzamento dos alertas com variados tipos de dados públicos, pode e deve ser bastante intensificada. A tecnologia disponível necessita ser usada em todo o seu potencial, para embargos e, se os dados possibilitarem, também para aplicação de multas.”

Segundo a especialista, as ações em campo devem privilegiar situações em que a fiscalização remota com emissão de multas e embargos é inviável, como em casos de ilícitos em terras indígenas, unidades de conservação e áreas marcadas por conflitos e indefinição fundiária.

A especialista conclui que o Ibama, especificamente, deve intensificar um tipo de atuação: operações especiais de rastreamento de cadeias produtivas, apontando financiadores, compradores e quem lucra com desmatamentos ilegais no país.​

A reportagem procurou o Ministério do Meio Ambiente, mas não teve retorno até o momento.