BRUNO LUCCA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Às 8h da manhã desta sexta-feira (19), Carlos Figueiredo, 44, já estava em pé havia 13 horas. Com olheiras, ele era o primeiro da fila para assinatura de sua condicional na Vara de Execuções Criminais da Barra Funda, zona oeste de São Paulo.

Carlos, que havia saído do trabalho às 18h de quinta-feira (18), chegara ao local às 19h. Com 10ºC nos termômetros, ele se enrolava em sua única jaqueta enquanto, apoiado em grades, aguardava a distribuição de senhas, marcada para 9h. “Precisamos fazer isso, né? Não tem jeito. Essa é minha segunda vez aqui, a última ainda foi pior”.

De segunda à sexta, a Vara é tomada por ex-detentos que devem se apresentar ao Estado para que não sejam considerados foragidos. O local é o único que oferece o serviço na capital e o maior do país. O funcionamento deveria ser das 9h às 17h, mas os usuários afirmam depender da boa vontade dos funcionários

Por imposição da Lei de Execução Penal, sentenciados que foram beneficiados com o cumprimento de pena em regime aberto, livramento condicional ou suspensão condicional da pena devem comparecer em juízo para justificar suas atividades mensalmente, bimensalmente ou trimensalmente, a depender da pena imposta.

Esses comparecimentos ficaram suspensos por dois anos, em razão da pandemia de Covid. “Com isso, os sentenciados com o benefício só puderam comparecer neste ano, o que ocasionou um grande número de pessoas que buscam atendimento no Complexo Criminal da Barra Funda”, diz, em nota, o TJ-SP (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo).

No último mês de abril, o atendimento presencial foi restabelecido, e as convocações passaram a ser feitas por ordem alfabética.

Posteriormente, mesmo com o cronograma, o TJ-SP verificou a necessidade de adoção de outras medidas para ampliar o atendimento. “Houve aumento do número de servidores, assim como do espaço físico do setor e, consequentemente, a quantidade de atendimentos foi elevada para cerca de 600 senhas diárias, em média”, afirma o tribunal.

Do lado de fora, não há banheiros disponíveis, e a garrafa d’água custa R$ 4 no ponto do único ambulante no local. Muitos optam pelo copinho de café, que custa R$ 2 e ajuda a esquentar, diz a aposentada Maria, 60. A segunda na fila, ela foi de Pirituba, zona norte da capital, para a Barra Funda às 18h30 de quinta. Desembarcou no destino, com um banquinho em mãos, às 19h30 e sentou ao lado de Carlos Figueiredo.

Diferente do homem, Maria não estava lá por obrigação pessoal. Ela guardava lugar para o filho, que prometera encontrá-la. Após 14h30 sentada e tendo enfrentado 9°C durante uma das madrugadas mais geladas do ano na cidade, Maria pegou seu banquinho e voltou para casa como havia chegado, sem o filho, que não apareceu nem deu explicações.

A aglomeração diária não é só motivo de desconforto para quem enfrenta a fila, moradores de condomínios no entorno da Vara deixam claro seu descontentamento com a presença daquelas pessoas. Da janela de seus apartamentos, muitos observam e fotografam a massa. Com exceção dos carros, a rua fica vazia.

Vários ex-detentos vão acompanhados, como o terceiro da fila, Jean Rizzo, 34, que estava enrolado em um cobertor com a namorada, a qual preferiu não ser identificada porque a família não aceita o relacionamento com o homem. Eles chegaram na fila às 20h30 de quinta.

Morador do Guarapiranga, na zona sul de São Paulo, Jean, que está em regime domiciliar, deve comparecer ao local mensalmente para firmar o cumprimento de sua pena.

A visita desta sexta foi a terceira de Jean, que deve continuar a fazer isso por mais dois anos. “A situação aqui é tensa, nos tratam como animais. Olha eu aqui, 12 horas tomando frio e chuva. Eu errei, mas isso é tratamento?”, diz o homem, que havia chegado às 20h30 do dia anterior.

Na metade da fila, que já se estendia por mais de um quarteirão às 8h40, os irmãos Carlos, 25, e Crislaine, 36, também faziam companhia um ao outro. Eles haviam chegado à Barra Funda às 7h.

Hoje, Carlos está em sua segunda passagem em suspensão condicional –benefício concedido ao sentenciado, em que, mediante cumprimento de algumas condições, sua pena é suspensa pelo período de dois a quatro anos. O homem esteve preso de 2015 a 2016 e de 2017 a 2021. Ele deve comparecer ao complexo criminal mensalmente.

Este ano, Crislaine teve sua primeira experiência como convocada na fila. Ela ficara detida de 2018 a 2021, e agora, em regime aberto, deve comparecer ao local a cada dois meses. Na última tentativa, há um mês, não conseguiu ser atendida por falta de senha. “Anunciam 600, mas não chega. Pode ter certeza”, diz.

Um pouco à frente dos irmãos, Antônio Oliveira, 43, que trabalha na Prefeitura de São Paulo, declara frequentar há dois anos a fila, excluindo o período de inatividade pela Covid. Oliveira foi preso por quatro anos e está em regime aberto há dois. Trimestralmente, ele deve comparecer à Vara por mais quatro anos e meio.

Antônio se diz preocupado com seu emprego, ao qual faltou para estar no Fórum. É sua primeira ocupação com registro em carteira de trabalho desde quando deixou a prisão.

Nesta sexta-feira (9), o TJ-SP disponibilizou o agendamento online para comparecimento na Vara da Barra Funda. São 250 agendamentos diários, com marcação a cada meia hora. “A medida busca diminuir a formação de filas, mas, por ora, será mantida a opção de atendimento por ordem de chegada para aqueles que não fizerem o agendamento”, afirma o tribunal.

Outra medida adotada é a retomada de atendimentos pelo Copen (Conselho Penitenciário Estadual) a partir do próximo dia 29 -o conselho havia suspendido os atendimentos na pandemia.