(FOLHAPRESS) – Apenas 3 das 23 internações involuntárias anunciadas pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB) foram de dependentes químicos; as demais se referem a pacientes com transtornos mentais sem relação alguma com o consumo de drogas.

Além disso, a ampla maioria dos casos não tem relação com a cracolândia.

Os números constam nas comunicações ao Ministério Público das internações involuntárias feitas pelo hospital Bela Vista entre 29 de abril e 9 de junho. O trâmite é previsto em lei que trata de hospitalizações desse tipo e, pelo atraso, a prefeitura foi acusada de ilegalidade.

Segundo o promotor de Saúde Pública Arthur Pinto Filho, 20 casos comunicados se referem a quadros de ideação de suicídio, psicóticos e de pessoas diagnosticadas com transtorno bipolar em surto persecutório, entre outros transtornos psiquiátricos. “É uma mentira. Essas internações não se referem ao uso de drogas”, diz.

No último dia 6, o prefeito anunciou que a rede municipal de saúde havia internado 22 pessoas involuntariamente como uma forma de diminuir a quantidade de frequentadores da cracolândia, alvo recorrente de ações policiais.

Procurada, a Secretaria de Saúde do município disse que os casos de internação involuntária no hospital Bela Vista não são “necessariamente por uso de substâncias psicoativas”, mas não informou o número de pacientes com esse perfil.

“As internações, involuntárias ou voluntárias, ocorrem para atendimento a casos psíquicos de todas as naturezas, inclusive os causados direta ou indiretamente pelo uso abusivo de álcool e outras drogas”, afirmou a pasta.

O número citado pela Promotoria subiu para 23 porque as comunicações abrangeram mais uma semana do que o período citado pelo prefeito naquela ocasião, quando se deu a entrada de mais um paciente.

A origem dos pacientes também não condiz com a informação dada pelo prefeito. De acordo com os dados enviados ao Ministério Público, as internações involuntárias foram encaminhadas pelas unidades do Caps (Centro de Atenção Psicossocial) do Butantã, Grajaú, Lapa e da Bela Vista, bairros distantes da cracolândia.

Apenas dois pacientes foram encaminhados de um equipamento na região central, o Caps III Sé. Mesmo assim, os diagnósticos registrados foram de psicose e deficiência intelectual, sem relação com o consumo de drogas.

Segundo a Secretaria de Saúde, todos os 35 pacientes internados na ala psiquiátrica do hospital Bela Vista são oriundos do centro, mas não especificou de quais equipamentos de saúde.

Em entrevista à rádio Bandeirantes no início do mês, Nunes afirmou que a “prefeitura e o governo de São Paulo estão custeando isso na busca da pessoa poder se desintoxicar e se livrar do crack”. “É nessas situações onde os familiares solicitam e verificam que o familiar não tem outra alternativa a não ser tratamento médico”, disse.

A reportagem mostrou que quase metade das internações involuntárias anunciadas pelo prefeito deixou o tratamento em até 20 dias, segundo dados do município.

Dos 22 pacientes, 12 tiveram alta até 1º de junho -sendo que quatro ficaram internados menos de 10 dias, seis entre 10 e 20 dias e dois mais de 20 dias. Em média, esse grupo passou duas semanas no hospital.

As internações involuntárias de dependentes químicos são previstas desde 2019, quando o tema foi regulamentado por lei federal. De acordo com a norma, esse tipo de internação deve ser formalizada por um familiar ou responsável legal do paciente e durar, no máximo, 90 dias.

Na ausência do familiar, o pedido de internação involuntária deve ser feito por servidor público da área de saúde, da assistência social e de outros órgãos públicos.

De acordo com Nunes, a tenda emergencial montada na rua Helvetia, região central de São Paulo, é um dos locais em que os parentes de dependentes químicos em situação de rua serão estimulados pelos agentes de saúde a pedir a internação involuntária.

As operações policiais e ações da prefeitura na cracolândia se tornaram alvo de inquérito instaurado por quatro promotores em 16 de maio.

A gestão Nunes recorreu ao Conselho do Ministério Público na tentativa de barrar as investigações, que ficaram paradas por três semanas e foram retomadas na última terça-feira (14), quando o órgão deu parecer favorável à continuação do inquérito.