MARIANA ZYLBERKAN
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quando o órgão original da Catedral Metropolitana de São Paulo, nome oficial da Catedral da Sé, foi tocado pela última vez, o organista Delphim Rezende Porto, 34, era um adolescente aprendiz do ofício. “Até consegui tocar uma peça, mas, na hora da missa, parou de funcionar”, diz ele sobre a última vez que o instrumento foi utilizado, em março de 2002.

Na ocasião, ele havia sido convidado para se apresentar na catedral com o coral da igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, no largo do Paissandu, no centro da capital, onde tocou suas primeiras peças durante as missas. “Foi a primeira vez que toquei um órgão de tubos”, afirma Porto.

A apresentação ocorreu quando o marco histórico de São Paulo ainda se preparava para reabrir ao público após ter ficado fechado por mais de dois anos para uma ampla reforma. Em julho de 1999, a catedral foi interditada pelo Contru (Departamento de Controle e Uso de Imóveis) por representar risco aos frequentadores.

Segundo funcionários da catedral, durante as obras, não houve cuidado em preservar os cerca de 10 mil tubos do órgão da poeira e do cimento, que ficaram entupidos e deixaram de propagar o som produzido a partir do ar comprimido vindo do fole acionado pelas teclas do instrumento.

Além disso, a parte elétrica foi danificada após um conserto malfeito, de acordo com funcionários. O órgão tem um contato elétrico para cada tubo, ou seja, 10 mil terminais têm que funcionar ao mesmo tempo. “O ofício de organista está em extinção e o de quem conserta o órgão mais ainda”, diz Porto.

O projeto de restauro do órgão começou há 10 anos, quando foram calculados os custos para desmontar e transportar o órgão para Azzio, província no norte na Itália, onde está, desde 1829, a oficina de restauro de órgãos Mascioni. A oficina é herdeira da técnica da família Balbiani, que construiu o instrumento enviado ao Porto de Santos em 1953.

O orçamento do projeto de restauro é de R$ 9,3 milhões, mas a Arquidiocese conseguiu captar até o momento cerca de R$ 1 milhão via Lei Rouanet. “Quando pensei que a captação iria engrenar, veio a pandemia, que passou a ser argumento para os investidores adiarem os aportes”, diz o padre Luiz Eduardo Baronto, cura da Catedral da Sé desde 2015.

No ano passado, o padre conta que se reuniu com empresários italianos no Palácio dos Bandeirantes, na capital, a convite do governador João Doria (PSDB), para tentar convencê-los a patrocinar o projeto de restauro do órgão. “A adesão foi muito pequena”, diz.

Entre as ideias para angariar fundos, o padre pensou no lançamento de uma campanha em que os moradores de São Paulo fossem convidados a apadrinhar cada um dos tubos do órgão por R$ 800. “É um mecanismo antigo que custeou, por exemplo, a fabricação dos vitrais da Catedral da Sé”, afirma. “Cada família doadora fica com o nome gravado na obra que ajudou a financiar.”

O provável, porém, é que o restauro seja financiado por doações de empresas via incentivo fiscal viabilizado pela Lei Rouanet, segundo o diretor cultural da Catedral da Sé, Camilo Cassoli.

Para Cassoli, além da pandemia e da crise econômica, a dificuldade em financiar o restauro do patrimônio histórico de São Paulo esbarra no local onde está instalado, no centro da cidade, que enfrenta os reflexos de um processo histórico de degradação.

Outra hipótese é a concorrência acirrada de outros patrimônios históricos paulistanos de peso que também passaram por reformas e disputaram a atenção dos patrocinadores nos últimos anos, como o Museu do Ipiranga e o Museu da Língua Portuguesa, recém-aberto cinco anos após o incêndio que danificou a estrutura do prédio.

Antigamente, a figura do mestre de capela, nome dado aos compositores de músicas sacras ao órgão de tubos, era considerada uma das maiores autoridades culturais da cidade e nomeado pelo arcebispo.

O último mestre de capela da Catedral da Sé foi o padre João Lyrio Tallarico, morto em 2009, depois de mais de 30 anos como organista da Sé.

O órgão de tubos que o padre tinha em casa foi doado à Unesp (Universidade Estadual Paulista), onde o atual organista da catedral concluiu seus estudos musicais. “Eu estudei no órgão doado pelo padre Tallarico e, agora, exerço o cargo que foi dele”, diz Porto.

Uma vez recuperado, a intenção é que o órgão de tubos seja a estrela de uma programação cultural na Sé. “Na Sala São Paulo, por exemplo, a entrada é gratuita, mas há pessoas que não entram porque há catracas. Na igreja, não, todos se sentem confortáveis em entrar”, afirma Porto, que toca a versão elétrica e mais moderna do instrumento durante as missas na catedral desde 2019.