(FOLHAPRESS) – A pandemia da Covid teve efeitos na saúde mental de 8 em cada 10 estudantes de pós-graduação no país. Os impactos dos últimos anos foram principalmente falta de motivação (82%), dificuldade de concentração (79%), crises de ansiedade (62%) e dificuldade para dormir (62%).

Já um terço dos alunos (33%) disse ter procurado ajuda psicológica, enquanto cerca de um quinto (17%) buscou a automedicação.

Além disso, mais de 70% dos estudantes afirmaram terem feito mudanças em seus projetos de pesquisa, dos quais 37% fizeram alterações pequenas, 35% ajustes significativos e 9% mudaram totalmente o seu projeto de pesquisa inicial.

Esses são os resultados de um estudo desenvolvido pelo Programa de Pós-Graduação em Ensino em Biociências e Saúde do Instituto Oswaldo Cruz da Fiocruz em parceria com a UFF (Universidade Federal Fluminense). O artigo foi publicado em agosto no periódico científico International Journal of Educational Research Open.

Para avaliar os efeitos da pandemia na saúde mental dos estudantes, os pesquisadores enviaram, entre os meses de outubro e dezembro de 2020, questionários eletrônicos contendo 37 perguntas divididas em quatro blocos: perfil sociodemográfico, perfil acadêmico, infecção prévia pelo coronavírus e saúde mental. Os formulários foram encaminhados para programas de pós-graduação que incluíam diversas áreas de pesquisa.

Ao final, foram coletadas respostas de 5.985 alunos em todas as regiões do país, dos quais 51,5% eram de mestrado, 43% de doutorado e cerca de 5,5% de cursos de especialização.

Além dos dados quantitativos, os cientistas também avaliaram a percepção da saúde mental qualitativamente por meio de perguntas em aberto.

Muitos dos estudantes afirmaram ter sido diagnosticados com ansiedade (46%), depressão (17%), além de crises de pânico (5%) e insônia (1%). No entanto, somente um terço deles (33%) disse ter procurado atendimento psicológico profissional.

Para a pedagoga e historiadora Roberta Pires Corrêa, primeira autora do estudo, um dado apontado pela pesquisa é como a saúde mental na pós-graduação ainda é um tabu. “Uma parte significativa dos alunos teve períodos de desmotivação, insônia, fez uso de ansiolíticos, mas poucos buscaram apoio profissional. Existe essa visão de, por um lado, [é importante ter] alta produtividade e cumprimento de prazos no ambiente acadêmico e, de outro, que o aluno que busca ajuda é menos capaz, e isso precisa ser quebrado”, afirma.

Assim como cerca de 70% dos respondentes, Corrêa também alterou seu projeto de doutorado para desenvolver o estudo. “Estava com uma outra pesquisa e tive que mudar já no início da pandemia devido a uma demanda institucional. Esse projeto, previsto para quatro anos, teve que ser desenvolvido em um ano e meio”, conta.

Outra constatação da pesquisa foi que, apesar de mudarem seus projetos de estudo, a maioria dos estudantes conseguiu exercer suas atividades acadêmicas, mesmo no período de maior emergência sanitária.

Um dado importante do estudo foi sobre a infecção pelo coronavírus. A maioria (58,7%) disse não ter contraído a Covid, mas cerca de um terço deles (32,4%) afirmou não ter certeza se foi infectado ou não.

O biólogo João Pedro Trevisan, que realiza sua pesquisa de doutorado sobre anatomia comparada da musculatura pélvica de peixes ósseos, no Museu de Zoologia da USP, é um desses que tiveram medo de contrair a Covid. Ele conta que iniciou seu projeto logo no primeiro ano da pandemia, o que causou alguns desconfortos como a necessidade de isolamento social e a dificuldade para concentração.

“A falta de perspectiva foi o mais difícil. No início, não sabíamos quando iam ficar prontas as vacinas, depois quando a gente ia poder tomar, e nesse tempo todo meu prazo estava contando. Teve um momento também de pico da Covid, com mais de 3.000 mortes por dia, em que eu só me preocupava em ficar vivo, estava paralisado [sobre continuar o projeto]”, avalia.

Ele conta que, pela demanda de estar fisicamente no laboratório, houve um impacto muito grande da pandemia em sua pesquisa. “Você acaba ficando angustiado, sabe que [a academia] é um ambiente muito competitivo, e eu comecei a pensar: e se não conseguir me qualificar, se não conseguir entregar tal objetivo a tempo? E mesmo assim tinha que continuar trabalhando e sendo produtivo”, diz.

Trevisan ressalta, porém, que recebeu bastante apoio do seu orientador e dos colegas de laboratório. “Meu orientador foi muito sensato ao dizer para nos cuidarmos, que ninguém faz doutorado morto. Sempre conversamos muito honestamente, a gente fazia reuniões de laboratório virtual, mas a pressão é externa e interna também, a gente se cobra muito”, avalia.

A procura por ajuda também foi voltada aos colegas (56%), orientadores (15,7%) e também pelo apoio dos cursos de pós-graduação (11%), segundo a pesquisa.

“Muitos dos alunos buscaram apoio dos amigos, que os confortaram, muitos buscaram até ajuda nas suas coordenações de curso, mas há uma falha também em órgãos e instrumentos de acolhimento nas instituições”, aponta Corrêa.

Para o neurocientista e co-orientador da pesquisa, Paulo Roberto Stephens, a busca por um acolhimento foi o ponto-chave do estudo. “Acho que esse foi o ponto mais relevante da pesquisa: chegarmos à conclusão de uma necessidade de implementar mais programas de acolhimento nos cursos de pós-graduação, de forma mais contínua, e divulgar mais, para que todos saibam que eles existem. De fato, a pressão é muito alta”, diz.