Aflitos com o impacto da pandemia na saúde e na economia, fechados em nossas casas, tendemos a pensar que “voltar ao normal” já estaria de bom tamanho. Mas e se aproveitássemos essa travada do sistema operacional para reiniciar a máquina? Com a mesma voracidade que a medicina busca uma vacina para o coronavírus, filósofos, sociólogos, cientistas políticos, futurólogos, urbanistas, ambientalistas e outros pensadores do mundo inteiro debatem como será o mundo após a pandemia. Em Barcelona não é diferente.

Por aqui, a crise vem sendo encarada como uma oportunidade para redesenhar o modelo de ocupação da cidade, do ponto de vista social, econômico e do meio-ambiente. O céu está mais azul devido à redução da poluição. Sem visitantes por vários meses, os restaurantes, bares e atrações “pega-turista” devem tornar-se mais acessíveis (ou pelo menos mais atraentes) para conquistar os moradores. Apartamentos alugados via AirBnb voltarão ao mercado a preços mais justos. Por esses e outros exemplos, é natural que muita gente não queira voltar ao normal quando tudo isso passar.

Camaleoa por natureza

Pareceria uma ambição utópica se não fosse Barcelona. Camaleoa por natureza, a cidade passou por várias viradas ao longo dos séculos. A mais emblemática foi sua transformação para os Jogos Olímpicos de 1992, que representou a volta por cima depois de décadas de abandono durante a ditadura franquista. Ao invés de construir estruturas descartáveis em lugares remotos, a capital da Catalunha aproveitou o evento esportivo para reconstruir a sua orla, abrindo-se ao Mediterrâneo e dando nova vida a bairros degradados. Não à toa, as transformações feitas para que abrigasse as Olimpíadas passaram a ser vistas como um modelo para outras cidades que desejam iniciar processos de revitalização em larga escala.

Em 20 anos acompanhando de perto a evolução urbanística de Barcelona, presenciei várias outras mudanças grandiosas, como a ampliação do litoral para o Forum Mundial das Culturas ou a conversão do entorno da praça de Glòries em um polo high-tech. Mais recentemente, a cidade vem investindo em tornar suas ruas cada vez mais amigáveis ao pedestre, restringindo progressivamente a circulação de automóveis com a implantação de ciclovias e ampliação das calçadas. No bairro onde vivo, entre outros, alguns quarteirões estão virando “superquadras”, fechadas ao trânsito e ajardinadas.

Coronavírus acelera o futuro

A pandemia de coronavírus acelerou esse processo. Na urgência de mais espaço para que possamos caminhar pela cidade mantendo o distanciamento social, só no mês de maio serão implantados 21 quilômetros de ciclovias e 30 mil metros quadrados de espaços para pedestres. Uma das principais avenidas do centro histórico, a Via Laietana, terá mais 4,15 metros de largura nas calçadas, enquanto pistas serão fechadas para o trânsito de automóveis na Av. Diagonal e na Gran Via, as duas maiores artérias da cidade. Nos próximos meses, o sistema de bicicletas compartilhadas deve ganhar 57 novas estações, com medidas de higienização das bikes.

Ao que tudo indica, o home office pode tornar-se definitivo para parte dos trabalhadores, não apenas para promover o isolamento social como para desafogar o transporte público e o trânsito, o que também contribuiria para manter em baixa o nível de poluição. A implantação de aulas virtuais nas universidades vem sendo discutida pelos mesmos motivos. Uma vez que os carros ocupem menos espaço entre nós, também devem surgir mais parques, hortas urbanas e áreas verdes, algo que já vi acontecer na frente de casa, aliás. Com o fechamento da minha rua para veículos, uma praça foi construída no lugar de uma antiga esquina congestionada – um pequeno alívio em uma das cidades com mais densidade demográfica da Europa e que, antes da covid-19, recebia 12 milhões de turistas ao ano.

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Fonte: Viagem e Turismo