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BRASÍLIA – O Complexo Integrado de Reciclagem (CIR) do Distrito Federal é formado por dois enormes galpões e fica a apenas 28 minutos de carro do Palácio do Planalto. Em um deles, cerca de 30 pessoas – quase todas mulheres negras – separavam o lixo reciclável dos detritos que não podem ser reaproveitados. O catador Rônei Alves da Silva, de 47 anos, observa o trabalho. Analfabeto até os 28, ele concluiu no ano passado o curso de Direito. Como um dos líderes, coube a ele assinar em 2013 o contrato de R$ 21,3 milhões com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) que permitiu a construção do complexo.

“Se ano passado eu me formei em Direito, foi porque todos me ajudaram. Eu, daqui a uns dias estou indo. Isto daqui (o complexo) fica (…). Cada catador aqui dentro é dono disso daqui”, diz Rônei. “Não acredito em meritocracia. Acredito que as pessoas querem uma oportunidade na vida. Desde o mais rico até o mais pobre, tudo que a gente quer é oportunidade.”

Chovia forte quando Rônei recebeu a reportagem do Estadão, em dezembro. “Num dia como hoje, estariam todos trabalhando debaixo de chuva”, diz ele. Inaugurado no fim de 2020, o local é tocado pela Central das Cooperativas (Centcoop) do DF, entidade que Rônei presidiu por dois mandatos, de 2009 a 2015. Hoje, reúne cooperativas que somam mais de mil catadores – quando todos os galpões do projeto original forem construídos, a estrutura poderá atender até 5 mil trabalhadores diariamente. Num mês bom, cada catador pode ganhar até R$ 2 mil, mas nem sempre é o caso.


Aos 47 anos, Ronei Alves da Silva, catador de material reciclável, se tornou um líder da categoria no Distrito Federal e liderou o processo de profissionalização de atividades das cooperativas

© DIDA SAMPAIO / ESTADÃO Aos 47 anos, Ronei Alves da Silva, catador de material reciclável, se tornou um líder da categoria no Distrito Federal e liderou o processo de profissionalização de atividades das cooperativas

Nascido em Teresina (PI) em maio de 1974, Rônei é o segundo de três filhos de uma empregada doméstica, Luiza Alves da Silva. Aos 12 anos, já trabalhava como carroceiro em Ceilândia (DF). A tarefa era retirar entulho das obras e transportar materiais de construção, mas os ganhos da carroça mal bancavam a comida. “As casas de material de construção ficavam com 30%. O que a gente ganhava quase não dava para comprar a ferradura e a ração do cavalo.”

Nos anos seguintes, fez de tudo: serviu ao Exército, vendeu dim dim (o sacolé, geladinho ou chupchup) e trabalhou como ambulante na rodoviária central de Brasília. No começo dos anos 2000, começou como catador de materiais recicláveis em uma cooperativa chamada 100 Dimensão. Foi ali que Rônei se politizou. Foi um dos fundadores da Centcoop, que é o que os catadores chamam de cooperativa de segundo grau – isto é, uma entidade que não tem pessoas físicas como associadas, apenas outras cooperativas.

Retorno às aulas

Enquanto trabalhava como catador na 100 Dimensão, Rônei cursou o supletivo para o ensino fundamental e depois para o ensino médio – na juventude, chegou apenas à 5.ª Série. Largou depois de repetir cinco vezes. “Eu falei: estudar não é pra mim. Eu sou burro (..). Só depois de velho fui descobrir que tinha dislexia e TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade). Minha cabeça é um saco de gato. Fico pensando 242 coisas ao mesmo tempo”, diz. “Nessa idade, eu lidava melhor com o TDAH e com a dislexia. Eu aprendi que precisava sentar na primeira fileira. Porque se eu ficar uma cadeira para trás vou prestar atenção em qualquer outra coisa”, diz.

O curso de Direito começou por iniciativa de uma ex-namorada. “Ela ficava me perguntando ‘Se você tivesse que fazer uma faculdade, o que seria?’. Um dia, disse a ela que faria aquele (curso) para ser advogado’. Eu nem sabia o que era Direito. E aí depois ela apareceu para mim com a inscrição no vestibular feita e já paga”, conta.

Por falta de dinheiro, Rônei demorou pouco mais de dez anos para concluir o curso de graduação na Universidade Católica de Brasília (UCB), uma das mais tradicionais da capital. A graduação envolveu sacrifícios como um empréstimo obtido pela mãe e várias renegociações com a instituição.

Recentemente, o catador foi aprovado na primeira fase da prova da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), requisito para que uma pessoa formada em Direito possa exercer a advocacia. Na segunda fase, discursiva, foi reprovado por apenas 0,25 ponto – mas disse que vai continuar estudando. “Tenho fé e na próxima eu passo.”

Fonte: MSN

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