amor próprioNum tempo muito antigo, quando nem eu e nem você éramos nascidas, a casa era um espaço onde se produziam muitas coisas: tecidos, roupas, jarras, farinhas, sabões – e, claro, crianças, ensino, enfermaria e cuidados. A casa era um prato cheio. Quem administrava isso tudo, a direta responsável, era a mulher. O interior da vida era intenso e atarefado, o exterior arriscado e desafiador. Cada um com sua dádiva. Cada um com seu fardo.

Um dia, porém, após muita evolução, descobertas, pesquisas e avanços – porque a humanidade tem esse “vício”: ela não fica parada, está sempre progredindo, que a gente goste ou não, queira ou não – então, um dia a casa começou a ficar vazia. Eletrodomésticos simplificavam as tarefas, aparelhos, máquinas faziam por nós, fábricas produziam o que a casa antes havia arcado. A mulher administradora geral ficou entediada. Entediada e reclusa na casa vazia. Sem sentido, surgiu a neurose. E com ela vinham as dores de cabeça e as menstruações gritantes.

Surgiu a necessidade, a curiosidade, o desejo avassalador, genial e assustador de sair de casa: trabalhar fora, estudar e descobrir aquele mundo externo desconhecido.

Foi então que a mulher se deparou com um empecilho, uma sombra diabólica que impedia seu desejo: ela descobriu-se acorrentada. Um enorme cadeado a prendia, um cadeado feito de medo, insegurança, submissão, crenças e… a grande imponente sombra de seu marido, pai ou irmão que lhe impunha um lugar, um modo de viver, pensar, sentir, ser.

Acuada e aterrorizada, a mulher descobriu que o mundo inteiro era aliado dos homens de sua vida. Ela, portanto, estava sozinha, completamente sozinha.
Lhe restavam duas opções: ou fazer das tripas coração e conquistar uma força e coragem grandiosas para realizar seu gritante desejo interior … ou enterrar o desejo, engolir seco, sorrir, e se aliar aos mais fortes – inclusive recriminando as amigas, mães, filhas, irmãs, vizinhas que escolhessem serem corajosas (ou “escandalosas, radicais, loucas”).

Desafiando o mundo masculino e suas aliadas mulheres, a mulher pioneira enveredou por sua difícil jornada e nela teve a grata surpresa de encontrar outras como ela. Irmãs na luta se atraem como imãs. No sangue e nas lágrimas, estas conquistaram o direito de ser sujeitos sociais, cidadãs. Conquistaram esse direito para si e para que todas as demais mulheres. Por isso que hoje podemos estudar, trabalhar e votar.

Décadas depois, novas gerações de mulheres trouxeram novos desafios. A mulher descobriu que não bastava poder entrar no mundo masculino, era preciso muda-lo. Era preciso fazer espaço nele para os valores feminino, que são: o jeito da mulher ser, ver as coisas, sentir e fazer. Sua maternidade, sensibilidade, intuição não estavam ainda incluídos. Até então ela havia simplesmente se tornado como eles, Agora, ela queria começar a poder ser ela, do jeito que ela é.

Seu corpo respeitado, seus desejos e intuição ouvidos. Sua palavra não interrompida. Sua segurança assegurada. Seu salário igual ao dos homens. E seu marido companheiro, amigo, confidente seguro, confiável.

Novamente, um grupo de mulheres pioneiras começou a buscar o caminho da contramão, que é o caminho da história. Novamente, encontrou barreiras violentas tanto do mundo masculino que não quer perder seus privilégios como daquelas mulheres que, sem amor próprio suficiente, precisam da aprovação masculina para se sentirem valiosas e por isso, apoiam o sistema no qual se encontram e opõem as mulheres pioneiras.

Feminismo é ter profundo amor próprio, gratidão por ser mulher, que é algo maravilhoso e por isso precisa ser protegido com destemor. Feminismo é ser a favor e praticar a igualdade de direitos: fora e dentro de casa. Feminismo é gestar e parir uma sociedade melhor.

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Fonte: Gazeta News