SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um ano depois de ganhar projeção nacional e causar revolta nas redes sociais e protestos por sua atuação no caso da influenciadora digital Mariana Ferrer, durante julgamento de um caso de estupro, o criminalista Cláudio Gastão da Rosa Filho, 51, pretende presidir a Confederação Brasileira de Hipismo (CBH). Ele é candidato na eleição marcada para o próximo dia 23.

Rosa Filho foi advogado do empresário André de Camargo Aranha, acusado de estupro por Mariana. O réu foi absolvido em duas instâncias.

Um vídeo divulgado pelo site The Intercept em novembro do ano passado mostra a atuação do advogado durante audiência do caso. Na ocasião, cópias de fotos produzidas pela jovem quando era modelo foram usadas pelo defensor para reforçar o argumento de que a relação havia sido consensual.

O criminalista afirmou ainda que “jamais teria uma filha do nível” de Mariana. Quando ela foi aos prantos na audiência, ele classificou o choro como dissimulado, falso e com lágrimas de crocodilo. Mostrou fotos da jovem postadas em redes sociais e definiu as poses feitas por ela como ginecológicas. Depois da repercussão, Rosa Filho disse que o vídeo divulgado havia sido editado.

A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Santa Catarina abriu processo disciplinar para analisar a conduta do criminalista. Segundo a assessoria de imprensa da entidade, o caso ainda está aberto.

O registro de sua candidatura para presidente do CBH abriu uma crise na modalidade em que mulheres competem em igualdade de condições com os homens.

Dirigentes de federações estaduais e atletas temem que sua vitória possa prejudicar a imagem da entidade.

“Pelo que vimos, ele [Rosa Filho] não é uma pessoa que parece ter respeito pelo sexo feminino”, diz Karina Johannpeter, presidente eleita para conduzir a Federação Gaúcha de Esportes Equestres no triênio 2022/2024.

“Há uma preocupação muito grande caso ele assuma a confederação, a gente sabe o que o esporte representa lá fora, do envolvimento com os patrocinadores, e gostaríamos de ter pessoas sérias. Logo vai começar a disputa por vagas nas Olimpíadas, Pan-Americano, e não podemos ter esta distinção [por sexo]”, completa a gaúcha.

Outro dirigente também manifestou desconforto com a candidatura, mas pediu para não ser identificado.

Para Bianca Affonso Ferreira, representante dos cavaleiros amadores na Federação Paulista de Hipismo, os competidores estão perplexos com a candidatura de Gastão.

“Quando ele veio para o mundo hípico, fiquei surpresa e chocada e mais ainda quando apareceu o nome dele como candidato a presidente. Nosso esporte não precisa desse tipo de atitude machista. Eu sei o que vi e o que escutei [do vídeo do Gastão]”, afirma Bianca.

“Eu prefiro esse tipo de atitude longe do nosso esporte, que já é machista e estamos o tempo inteiro lutando para igualdade. Já é um lugar onde há homofobia e machismo. Os homens também ficarem indignados por esta pessoa estar perto da gente no hipismo. Não é o tipo de atitude que esperamos”, completa a paulista.

Em seu plano de gestão para a CBH, o advogado diz ter passado a se dedicar ao hipismo graças ao interesse das filhas pela modalidade e ao seu amor por elas. Rosa Filho é o atual presidente da Federação Catarinense de Hipismo.

À reportagem, Rosa Filho respondeu, através de mensagens pelo aplicativo WhatsApp, que não há nenhuma relação entre a sua atuação como advogado criminalista e a atividade como dirigente esportivo.

“O caso Mariana Ferrer já foi inclusive julgado pelo órgão colegiado do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, com ganho de causa por unanimidade para o meu cliente”, afirmou.

Segundo ele, quem hoje critica a sua candidatura foi solidário quando o caso de Mariana Ferrer veio à tona. “A diferença é que não estou mais ao lado deles. Pura conveniência política, que não deve ser levada em consideração”, escreveu o advogado.

Rosa Filho diz não acreditar que a fama do caso irá respingar na imagem da CBH e prejudicar seus compromissos comerciais e a relação com o público.

“Apesar de muitas fake news envolvendo o caso, o que ficou no final demonstrado em mais de uma instância foi que a minha atuação profissional estava correta em defender um dos princípios basilares do direito: à presunção da inocência”, finalizou o catarinense.

Em mensagem postada em grupos de hipismo, aos quais a reportagem teve acesso, ele depois questionou se as perguntas feitas pela reportagem foram “teleguiadas”.

A inscrição da sua chapa (Hipismo pelo Brasil) foi deferida no dia 8 de dezembro e tem como vice Josenilton Oliveira Santos Neto, chefe da modalidade na Bahia. A outra chapa inscrita (Hipismo Forte e Ativo) reúne Fernando Augusto Sperb e Bárbara Elisabeth Laffranchi.

Há dirigentes da modalidade que classificam como normal a candidatura do criminalista. “Eu acho que todo mundo tem o direito de escolher, de optar e tentar se candidatar. Isso [a candidatura dele] não me trouxe desconforto. Todo mundo tem o direito de fazer a escolha”, disse Alejandra Fernandes, presidente Federação Equestre do Rio de Janeiro.

Andrea Mazzariol, vice da federação do Pará, disse que não poderia opinar sobre algo (o caso Mariana Ferrer) que não conhece.

Após a repercussão do caso protagonizado por Gastão Filho, o Congresso aprovou e o presidente Jair Bolsonaro (PL) sancionou no último dia 22 a lei Mariana Ferrer, que proíbe que vítimas de crimes sexuais e testemunhas sejam constrangidas durante audiências e julgamentos.

Desde então está vetado o uso de linguagem, informação ou material que ofenda vítimas ou testemunhas. Além disso, obriga o juiz a zelar pelo cumprimento da medida.

A influenciadora acusou André Camargo Aranha de estupro na noite de 15 de dezembro de 2018, quando tinha 21 anos. Aranha foi absolvido. O promotor do caso, Thiago Carriço de Oliveira, argumentou no processo que não era possível comprovar que o acusado sabia que Mariana não tinha capacidade de consentir a relação sexual.

A CBH vive momento de caos político. Em janeiro, foram feitas duas eleições paralelas, pela situação e oposição. Ambas foram anuladas pela Justiça, que determinou a realização de novo pleito. Atletas têm organizado circuitos de competições independentes por não confiarem na confederação.

Neste ano, o COB (Comitê Olímpico do Brasil) anunciou em seu site ter repassado R$ 3.768.849,32 para a CBH.

Questionada pela reportagem, o COB disse que “as Confederações possuem autonomia, seus ritos eleitorais são definidos por Assembleias e estatutos próprios, e o COB não tem, por lei, o poder de interferir no processo de suas filiadas”.