Forçados em casa, estamos experimentando uma condição incomparável que vale a pena compreender sob o ângulo psicanalítico.

O movimento para dentro se chama em psicanálise “regressão da libido”, uma espécie de introversão forçada. Estamos hoje vivendo uma regressão coletiva da libido.

O isolamento nas casas leva, inevitavelmente, a uma maior intimidade consigo.

Para alguns, este pode ser um momento extraordinário. O mundo silenciou-se. O fora não é praticável; a energia vital recua para dentro, ou seja, ocorre a “regressão da libido” por impossibilidade (perda de sentido e, em nosso caso, risco de vida) de se expandir para fora. Ao aquietar-se o externo, o interno tem a oportunidade de se expressar.

Assim como para os processos físicos, quando adoecemos precisamos nos cuidar. Negar a doença e querer manter o ritmo de antes é estúpido, concordam? Resistir à necessidade do momento só leva à piora do quadro. Quando ocorre a regressão da libido precisamos agir da mesma forma: evitar forçar a barra. Seguir. Não é hora de liderar, mas de seguir dócil. É hora de ficar quieto e.. olhar para dentro de si.

Ouça ou aprenda a ouvir. Algo de novo está sendo gestado e virá à luz quando estiver maduro. Primeira lição: a negação do problema só o agrava, o que significa, em nosso caso, mais mortes. É simples assim. Ou você aprende a lição ou ela perdura até que você aprenda.

O coronavírus nos obriga a uma regressão coletiva da libido. Este é o convite do momento e pode ser uma grande oportunidade. Entrar no casulo não como fuga, mas como recolhimento. Letargia do mundo exterior para renovar aquele interior.

A superfície calou-se, as inúmeras distrações, todas aquelas bobagens que ingurgitamos diariamente, necessidades imperiosas, sentimento que se você não correr o céu vai cair sobre a tua cabeça; aquele transe diante de um monte de banalidades… A cegueira: para conosco.

O que é mesmo que queríamos lá atrás, quando tudo isso começou? A cegueira: diante dos outros, do mundo, da natureza, dos animais, das águas, das árvores. Nutridos de ganância, na corrida à “sobrevivência” que para muitos nada mais é que proteger sua polpuda conta bancária. Pausa. Abra os poros da alma e sinta algo mais profundo, aquém e além desse alvoroço. Distinga-se da pequenez mesquinha dos acumuladores e se eleve.

Para ver, para ser, para entender. ‘Des-identifique-se’ por um momento das coisas às quais se pendura desesperado para “ser”, e pelas quais é diariamente arrastado e atropelado.

Sejam como os lírios no campo e os pássaros no céu, palavras de Jesus. O agora é a única coisa que temos.

Do futuro nunca tivemos certeza. Precisamos comer e ter um teto, mas não sejamos escravos – e falo para as pessoas que têm comida e um teto. As que não têm, são escravas sim da matéria. Mas as outras podem ir além. Notem que ao se agarrar à matéria quando esta já foi conquistada perde-se o sentido do todo e, portanto, da vida. E surge o egoísmo que assola casas, sociedade, governos.

Perdemos a graça da vida quando esquecemos que a vida é de graça. Se tivermos pendências, desafios e atribulações que ameaçam a nossa sobrevivência, mesmo assim: este é o momento da introversão e da transcendência. Quem olha para fora sonha, quem olha para dentro desperta. Palavras de Jung: vamos praticar. Temos alternativas?

Calada a barulheira assombrosa e ensurdecedora do mundo, prestemos atenção à alma: o que ela quer nos dizer?

Qual a mensagem que nos aguarda? Somos levados a um encontro com a intimidade da nossa subjetividade, em humildade e sem alarde. E sem publicidade.

O medo que está no ar inspira um pouco de sobriedade à vaidade. Menos selfies, mais conteúdo. Não é o momento do ego brilhar.Ele já fez estragos demais.

A casa está silenciosa, as crianças dormindo, as ruas tranquilas, e você sente aquela paz e serenidade que não tem preço. O silêncio acaricia a alma e você anda pela casa sem fazer barulho.

Vai à cozinha e prepara um chá. Momento entre tempos, pausa entre notas. Ocasião de reencontro. Sobretudo, momento para sentir. Sentir como aquela percepção fina, interior, sutil do nosso estado, aquele sondar sem palavras a nossa condição. Calem-se os pensamentos, as preocupações, os compromissos. Momento de ouro. Que produz ouro.

Pausa. Abençoada noite entre os dias, noite coberta por estrelas finalmente visíveis no céu límpido. Oportunidade para admirar a profundidade do céu, beber o infinito, deixar que penetre em cada uma de nossas células.

Momento para ouvir aquele único pássaro cantando fora da janela. Nutrir-se do esplendor da natureza que continua alegre porque sabe que a vida continua.

O que estamos vivendo é uma passagem. Como em todo movimento regressivo da libido precisamos saber que passa. Quanto mais profundamente vivermos esse mergulho, mais doces serão os frutos que colheremos. Para quem tiver feito seu dever de casa, a libido voltará a fluir para fora e nos perceberemos cheios de nova vida e novas ideias.

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Fonte: Gazeta News