SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quatro em cada dez pessoas que se suicidam usam substâncias psicoativas, especialmente o álcool, antes de tirar a própria vida, mostra um estudo inédito da UnB (Universidade de Brasília) que investigou dados comportamentais e sociodemográficos das vítimas com objetivo de ajudar na formulação de políticas públicas de prevenção.

O trabalho analisou 1.088 suicídios ocorridos no Distrito Federal, em um período de nove anos. Desses casos, 780 passaram por exames toxicológicos e 44% tiveram resultados positivos para substâncias psicoativas, sendo desses 72% para o uso exclusivo de álcool e 22% para outras drogas associadas, em especial a cocaína, além do álcool.

O estudo mostra que entre 2005 e 2014 o aumento da taxa de suicídio relacionada ao uso de substâncias psicoativas foi dez vezes maior que o crescimento populacional do Distrito Federal. Na pesquisa, só esses casos passaram por uma análise mais minuciosa sobre o perfil das vítimas.

Os resultados, publicados em artigo científico na revista BMC Psychiatric, refletem a situação preocupante da saúde mental dos brasileiros. O total de óbitos no país pelas chamadas lesões autoprovocadas dobrou de cerca de 7.000 para 14 mil nos últimos 20 anos, segundo o Datasus.

A maioria dos suicídios analisados no estudo foi cometida por homens (84%), o que também ocorre no resto do país. Dados do Ministério da Saúde mostram uma taxa média anual de 6,13 casos de suicídios por 100 mil pessoas (9,8 para homens e 2,5 para mulheres).

Pretos e pardos responderam por 82% dos casos analisados. Essa população constitui o grupo mais socialmente vulnerável no país e, segundo os pesquisadores, isso pode ser fator de risco para o suicídio.

A proporção, porém, não é a mesma observada no cenário nacional. Dos 14.084 suicídios registrados no país em 2021, 50% são de pretos e pardos e 47%, de brancos. Indígenas respondem por 1% e aqueles de cor ignorada, por 2%.

A maior parte dos casos investigados ocorreu em casa (74%) e nas faixas etárias entre 30 e 59 anos (55%), seguida pelos jovens entre 18 e 29 anos (35%).

Para a professora Andrea Gallassi, autora do estudo e coordenadora do Centro de Referência sobre Drogas e Vulnerabilidades Associadas da Universidade de Brasília (UnB), estudos como esse são essenciais para identificar padrões associados aos suicídios e, a partir deles, investir em políticas de prevenção voltadas aos indivíduos com maior risco.

“Temos um problema cultural em relação aos homens. Essa sociedade patriarcal, machista, faz com que o homem tenha muita dificuldade em lidar com seus sentimentos e fraquezas e de procurar ajuda”, diz ela.

Segundo a professora, as campanhas de comunicação em saúde precisam levar esses dados em conta para ajudar os homens a reconhecerem o adoecimento. “Todos os anos tem o Novembro Azul focado no câncer de próstata. Precisamos avançar, falar em saúde mental dos homens. Tem que falar que homem sofre, tem depressão e dificuldade de lidar com sentimentos.”

Na opinião dela, essa situação está relacionada, inclusive, a muitos casos de feminicídio seguidos de suicídio do homem. “Ele foi educado numa cultura machista de que a mulher pertence ao homem e tem uma enorme dificuldade de lidar com a perda de alguém que, na cabeça dele, lhe pertence.”

Segundo relatos da família coletados no estudo, depois do uso de álcool e drogas, o crime ligado a relacionamentos é citado como a segunda maior motivação do suicídio. Em terceiro lugar estão as doenças mentais prévias, como depressão e ansiedade.

De acordo com o estudo, a concentração de álcool no sangue das pessoas que morreram por suicídio estava entre 1,5 e 2,99 gramas por litros, quantidade que pode causar desorientação e confusão mental, por exemplo.

O efeito agudo do álcool sobre os neurotransmissores e as funções cognitivas também pode aumentar a agressividade, a impulsividade e a desinibição.

“A pessoa faz uso para se encorajar a tirar a própria vida. Mas não sabemos se era dependente de álcool ou outras drogas ou se usou para ter coragem”, diz Gallassi.

Nas entrevistas com familiares sobre o comportamento de quem se suicidou, foi relatado que 88% apresentaram mudança de comportamento antes de praticar o ato: 52% se tornaram mais depressivos e 32%, mais agressivos.

Um outro dado que chama atenção é que a maioria das pessoas que tinham histórico anterior de tentativas de suicídio não usou álcool e outras drogas antes de tirar a própria vida. “A hipótese é que elas já tinham um planejamento mais consolidado e não precisaram de um elemento encorajador.”

De acordo com Gallassi, é grande a chance de uma pessoa que tentou se matar anteriormente repetir a tentativa. “Por isso, é fundamental monitorá-la de perto para ver se vai permanecer com a ideação suicida.”

Em relação a políticas de prevenção, a pesquisadora afirma que uma das principais estratégias seria a capacitação das equipes de saúde da família na atenção primária do SUS para as questões de saúde mental, especialmente os fatores de risco relacionados aos suicídios.

“Tem que questionar as famílias sobre casos de transtornos mentais, depressão, tentativas anteriores de suicídios, dependência de álcool e outras drogas e, uma vez identificados, encaminhar a pessoa aos Caps [centros de apoio psicossocial]. Muitas vezes, isso nem é questionado.”

A OMS (Organização Mundial da Saúde) recomenda quatro diretrizes para a prevenção do suicídio: dificultar o acesso aos principais métodos utilizados, qualificar o trabalho da mídia para que neutralize relatos e enfatize histórias de superação, expandir e fortalecer serviços de saúde mental, capacitando profissionais para identificar casos precoces e trabalhar habilidades socioemocionais nos espaços de ensino.

ONDE PROCURAR AJUDA?

– Mapa Saúde Mental
Site mapeia diversos tipos de atendimento: www.mapasaudemental.com.br
– CVV (Centro de Valorização da Vida)
Voluntários atendem ligações gratuitas 24 horas por dia no número 188: www.cvv.org.br.

FIQUE ATENTO SE ALGUÉM PRÓXIMO DE VOCÊ…

– Mostrar falta de esperança ou muita preocupação com sua própria morte
– Expressar ideias ou intenções suicidas
– Se isolar de suas atividades sociais e cortar o contato com outras pessoas
– Além disso: perder o emprego, sofrer discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero, sofrer agressões psicológicas ou físicas, diminuir práticas de autocuidado.