(FOLHAPRESS) – Após pressões de aliados dos Estados Unidos, a Interpol aumentou o controle sobre o acesso das autoridades russas aos sistemas e banco de dados da entidade.

A medida foi tomada como resposta a uma ofensiva diplomática liderada pelo Reino Unido, que chegou a pedir a exclusão de Moscou da aliança internacional de forças policiais, que congrega representantes de 195 países.

O argumento dos britânicos é que, em meio à guerra na Ucrânia, o governo de Vladimir Putin poderia usar os diferentes sistemas de informação da Interpol para perseguir opositores do regime ou pessoas envolvidas no conflito.

A decisão de colocar travas adicionais para policiais russos foi tomada pelo secretário-geral da entidade, o alemão Jürgen Stock. O conjunto de ações recebeu o apoio do Comitê Executivo, no qual o Brasil ocupa um assento.

O delegado da Polícia Federal Valdecy Urquiza foi eleito no final do ano passado para uma das três vice-presidências da Interpol, para um mandato de três anos. Procurado, ele não respondeu aos contatos feitos pela reportagem.

Desde a eclosão do conflito na Ucrânia, os EUA e aliados desencadearam uma estratégia para isolar Putin nas mais diferentes organizações internacionais, incluindo a ONU (Organização das Nações Unidas) e o G20 –o presidente Joe Biden já falou em excluir a Rússia desta última.

A Interpol também entrou no radar. No final de fevereiro, a ministra do Interior do Reino Unido, Priti Patel, disse que os britânicos liderariam os esforços internacionais para suspender Moscou da organização policial. Poucos dias depois, ela afirmou que pediu “a imediata suspensão do acesso da Rússia aos sistemas” da Interpol, acrescentando que a iniciativa foi copatrocinada pelos governos de EUA, Canadá, Austrália e Nova Zelândia.

“As ações da Rússia são uma ameaça direta à segurança individual e à cooperação internacional para a aplicação da lei”, declarou a britânica no Twitter.

De acordo com interlocutores ouvidos pela reportagem, americanos, britânicos e aliados procuraram os países representados no Comitê Executivo –incluindo o Brasil– para conseguir apoio na ofensiva diplomática.

Além de ter endossado a ação do secretário-geral, o colegiado pode ser chamado a se manifestar novamente, nos casos de a Rússia apresentar um recurso ou de as medidas impostas se estenderem por um período maior de tempo.

A presidência do comitê é ocupada por Ahmed Nasser Al-Raisi, dos Emirados Árabes Unidos, e as duas outras vice-presidências estão com República Tcheca e Nigéria. O comitê conta ainda com delegados de Argentina, China, EUA, Reino Unido, Quênia, Espanha, Turquia e Índia.

Mesmo diante da pressão de britânicos e americanos, a avaliação do secretário-geral e do comitê foi de que não seria possível excluir a Rússia da Interpol, já que as regras de constituição da aliança policial não preveem a expulsão de um membro.

A direção avaliou ainda que não haveria como simplesmente proibir policiais russos de solicitar acesso aos bancos de dados, outra medida aventada. “O mandato da Interpol não inclui a adoção de sanções ou medidas punitivas”, disse a secretaria-geral em nota divulgada em 10 de março.

Houve ainda o diagnóstico de que excluir Moscou dos sistemas da entidade colocaria em risco projetos de cooperação policial em andamento com o país. Diante disso, a saída foi encontrar uma solução intermediária: colocar a Rússia sob uma espécie de regime de supervisão, em que pedidos para o acesso de informações da Interpol passam por um filtro do secretariado.

Segundo pessoas que acompanham o tema, a secretaria-geral já tem mecanismos de controle para evitar o uso político dos bancos de dados, mas a decisão foi reforçar a supervisão sobre pedidos da polícia russa.

No comunicado de 10 de março, a Interpol afirmou que as comunicações pelos sistemas internos da entidade precisam respeitar regras específicas e que foram adotadas medidas para proteger os dados que circulam pelas suas redes.

Segundo a nota, isso foi feito para prevenir qualquer “potencial mau uso” dos canais em relação a indivíduos envolvidos ou não no conflito na Ucrânia, que já entrou no segundo mês.

“Com eficácia imediata, alertas não podem mais ser enviados diretamente pelo escritório nacional [da Interpol] em Moscou para países-membros. O escritório de Moscou precisa agora enviar todos os alertas para a secretaria-geral para que seja feita uma conferência sobre a conformidade com as regras da Interpol. O alerta só será enviado para os países-membros se for considerado adequado pela secretaria-geral. Esse procedimento é adicional à revisão, pela secretaria-geral, de todos os alertas”, detalhou o texto.

Segundo interlocutores, os mecanismos de supervisão voltados para os russos são centrados nos bancos de dados que contêm informações que podem ser usadas para fins políticos, entre eles o chamado sistema de difusão –que permite que um país-membro solicite informações a outro governo sobre indivíduos e fatos relacionados a crimes; também é a ferramenta pela qual a Interpol inclui um suspeito numa lista internacional de procurados.

Além da pressão diplomática, a guerra trouxe outros reflexos no trabalho da entidade. As autoridades ucranianas anunciaram a desconexão temporária do país dos sistemas da aliança, justamente por considerar que, no momento, não podiam mais garantir a segurança das informações sob responsabilidade da polícia do país.

O governo de Jair Bolsonaro (PL) –que visitou Vladimir Putin dias antes de o conflito estourar– tem resistido à estratégia americana de promover o isolamento da Rússia em diferentes organismos internacionais.

A visão brasileira é que a crise na Ucrânia deveria ser discutida principalmente nas Nações Unidas, no âmbito do Conselho de Segurança e da Assembleia-Geral –na qual duas resoluções condenando a ação russa já foram aprovadas, ambas com apoio brasileiro.

O receio de autoridades no governo é que a ofensiva diplomática contra Putin prejudique a cooperação em fóruns internacionais que normalmente não tratam de temas de paz e segurança internacional. Outro temor envolve possíveis impactos na economia, notadamente no comércio de fertilizantes.