LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) – Um dos principais símbolos da luta de cientistas brasileiros contra o tráfico internacional de fósseis, o dinossauro Ubirajara jubatus, levado irregularmente para Alemanha em 1995, foi oficialmente devolvido ao Brasil neste domingo (4).

Os vestígios do animal pré-histórico chegaram ao aeroporto de Brasília por volta das 22h30, acompanhando uma delegação de autoridades alemãs que inclui a ministra das Relações Exteriores, Annalena Baerbock.

O envolvimento da chefe da diplomacia na repatriação é considerado um sinal de prestígio para o movimento, cujas negociações envolveram o Instituto Guimarães Rosa, ligado ao Itamaraty, o MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação) e a Embaixada da Alemanha em Brasília.

A instituição escolhida para receber o valioso exemplar foi o Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens, que pertence à Urca (Universidade Regional do Cariri), no Ceará, mesma região onde o animal viveu há cerca de 110 milhões de anos.

Diretor do museu, o paleontólogo Allysson Pinheiro viajou a Brasília para acompanhar a repatriação e auxiliar nos trâmites relacionados ao exemplar.

“Esse momento é muito simbólico, porque era muito improvável que esse fóssil voltasse ao Brasil por diversas razões. Acho que inauguramos uma nova forma de ver os fósseis brasileiros e mesmo de ver a ciência aqui do país”, afirmou.

Embora já esteja em território nacional, o fóssil só deverá ser encaminhado ao Ceará no dia 12 de junho. A transferência do dinossauro será acompanhada de uma cerimônia pública para marcar a ocasião. O museu, que já passava por uma reforma, ganhará um espaço especial para abrigar o material.

“Vamos preparar um lugar separado para, com todos os cuidados necessários para um holótipo [exemplar de referência para a espécie]”, diz Pinheiro. Para o paleontólogo, a chegada do dinossauro contribuirá para o desenvolvimento do turismo e da ciência na região.

A devolução dos vestígios do animal também é encarada pela comunidade paleontológica nacional como uma grande vitória contra o comércio irregular de fósseis, que ajuda a alimentar a produtividade científica de pesquisadores de países mais ricos, dispostos a pagar elevadas quantias para ter acesso aos exemplares.

Ainda que a legislação brasileira proíba a venda de fósseis e imponha uma série de restrições para que eles saiam do país, é comum encontrar exemplares da pré-história nacional depositados em coleções da Europa e dos Estados Unidos.

O tráfico de fósseis é tão comum que, para estudar alguns tipos de pterossauros do Nordeste, cientistas brasileiros precisam se deslocar para museus da Alemanha para conseguirem ter acesso aos exemplares de referência das espécies.

Apesar da insatisfação dos pesquisadores e da flagrante violação da legislação brasileira, manifestações públicas contra as poderosas instituições estrangeiras eram bastante contidas, devido ao temor de retaliações acadêmicas e até de empecilhos ao acesso aos fósseis que estão no exterior.

O caso do Ubirajara jubatus, porém, traz uma mudança de posição marcante.

De aparência exótica, com juba nas costas e um par de “varetas” perto dos ombros, o animal ganhou atenção internacional ao ser descrito por pesquisadores europeus em dezembro de 2020. Logo após a publicação do artigo, no entanto, cientistas brasileiros se mobilizaram para denunciar a origem e a exportação irregular do material.

De forma inédita, os pesquisadores se reuniram na campanha virtual #UbirajaraBelongstoBR (Ubirajara pertence ao Brasil), que bombardeou as redes sociais para denunciar as irregularidades em torno da saída do material do país.

A mobilização fez efeito. A revista especializada Cretaceous Research retratou o artigo (retirando sua publicação) com a descrição da espécie e, meses depois, com a continuidade da pressão da campanha, divulgou que não iria mais aceitar estudos com fósseis “com suspeita de terem sido coletados e exportados ilegalmente de seus países de origem, com proveniência incerta ou depositados em coleções particulares”.

Apesar da pressão, o Museu de História Natural de Karlsruhe, que detinha o fóssil, vinha se recusando a devolver o dinossauro até ser obrigado a fazê-lo por decisão do Conselho de Ministros da região de Baden-Württemberg.

O paleontólogo Eberhard “Dino” Frey, que dirigiu a instituição até janeiro de 2022, foi um dos autores do artigo do Ubirajara jubatus. Seu sucessor no cargo, Norbert Lenz, também assinou o trabalho com o dinossauro brasileiro.

A mobilização contra o tráfico de fósseis ganhou fôlego e se mantém nas redes sociais. Com o temor do dano reputacional, os protestos contribuíram para a devolução de outros exemplares brasileiros que estavam irregularmente no exterior.

“Esse caso é um símbolo não só para o Brasil, mas para o mundo todo. Há outros países que passam por situações similares ou até piores com seu patrimônio e que acompanharam tudo com muita atenção”, completa Allysson Pinheiro.